QUEM É VOCÊ SEM O ÁLCOOL? Reconstruindo sua identidade na sobriedade com consciência e sentido

FLUIR

Rafa Pessato

3/8/2025

Acordar sem ressaca pode ser um alívio para o corpo, mas para a mente, muitas vezes, é um choque. Sem a bebida, a identidade vacila, os rótulos sociais se desfazem e a pergunta que sobra é uma das mais profundas e assustadoras: quem sou eu?

A resposta não é simples. Durante anos, o álcool pode ter sido mais do que um hábito — ele pode ter se tornado um escudo, um filtro entre você e a realidade, uma forma de existir no mundo sem sentir tanto. Nietzsche dizia que “temos a arte para não morrer da verdade.” O álcool, para muitos, foi essa arte improvisada, um meio de suportar dores, inseguranças e frustrações. Mas agora, sem ele, a verdade volta a pulsar. E se a arte não for mais entorpecer, mas criar?

O desafio da sobriedade não é apenas evitar a próxima dose — é construir um novo “eu” que faça sentido sem ela. Isso exige reflexão, mas também ação. É sobre substituir excessos por essência, anestesia por presença, fuga por encontro.

MAS COMO?

1. Enxergar a sobriedade como um renascimento

A identidade não é fixa. O filósofo Sartre defendia que somos aquilo que escolhemos ser. Isso significa que a pessoa que você era sob efeito do álcool não precisa definir quem você será daqui para frente. Sobriedade não é perda, é possibilidade.

Imagine que você está em uma casa cheia de objetos velhos, acumulados ao longo dos anos. Muitos deles nem fazem mais sentido, mas ficaram ali por hábito. O álcool pode ter sido um desses objetos, ocupando um espaço que poderia ser de algo mais significativo. Agora, com espaço livre, o que você vai colocar no lugar?

2. Construir um “eu” ativo, não um “eu” ausente

Muitos veem a sobriedade como uma negação — um eterno “não” ao álcool. Mas viver apenas dizendo “não” não constrói nada. Em vez disso, foque no que você pode dizer “sim”.

• Sim para novas experiências que antes o álcool substituía.

• Sim para desenvolver habilidades esquecidas.

• Sim para relações mais autênticas.

• Sim para sentir a vida como ela é, sem filtro.

O neurocientista Antonio Damasio mostra que nossas emoções e memórias constroem quem somos. Mas se as suas memórias foram, por muito tempo, mediadas pelo álcool, então agora é hora de criar novas, onde você seja o protagonista, não um espectador anestesiado.

3. Ressignificar o prazer e o lazer

O cérebro se acostuma com os estímulos que recebe. Durante anos, o álcool pode ter sido um atalho químico para prazer e relaxamento. Agora, é preciso ensinar seu sistema nervoso a encontrar satisfação de outras formas.

Experimente atividades que gerem dopamina de maneira saudável: esporte, arte, aprendizado, meditação. Pequenos desafios diários reconfiguram o cérebro. O tédio da sobriedade não é falta de diversão — é falta de um novo repertório.

4. Redescobrir-se no espelho (e no olhar do outro)

Quem você era antes do álcool? Quem você se tornou com ele? E quem deseja ser agora?

A filosofia de Heráclito nos lembra: ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Assim como o rio, nós mudamos constantemente. A identidade é um fluxo, não um bloco de pedra. Permita-se ser alguém novo.

Na prática:

• Experimente mudar pequenas coisas no dia a dia. Seu estilo, suas leituras, seu jeito de passar o tempo.

• Reencontre pessoas que o viam antes do álcool e observe como elas enxergam essa nova versão sua.

• Busque novas referências — filmes, músicas, histórias que inspirem essa reconstrução.

5. Criar um novo significado para a vida

Nietzsche falava do conceito de Amor Fati — amar o próprio destino. Isso significa olhar para a própria história, mesmo com falhas e excessos, e aceitá-la como parte do caminho. Mas não como um fardo, e sim como matéria-prima para criar algo maior.

A sobriedade não precisa ser uma eterna luta contra o passado, mas um movimento em direção ao futuro. O sentido da vida não é algo que encontramos pronto — é algo que escolhemos criar.

E SE, daqui para frente, a identidade que você constrói for baseada em presença, autenticidade e essência?

O álcool um dia fez parte da sua história, mas não precisa escrever o seu futuro.

A pergunta “quem sou eu sem o álcool?” pode parecer assustadora. Mas, no fundo, ela é um convite.

A resposta não está no passado, nem no rótulo de ex-bebedor.

A resposta está no que você escolhe ser.

E essa escolha começa agora.