O Papel dos GATILHOS no CONSUMO EXCESSIVO de ÁLCOOL
DESPERTAR
Rafa Pessato
3/17/2025
O som do lacre da latinha. Tssshh. Para muitos, é só um detalhe. Para outros, é um portal para um desejo incontrolável, uma faísca que acende uma fogueira que já deveria estar apagada. Se você já sentiu seu corpo inteiro responder a esse chamado líquido, este texto é para você.
O QUE SÃO GATILHOS E POR QUE ELES IMPORTAM?
Gatilhos são estímulos que ativam memórias, emoções e comportamentos automáticos. No caso do consumo excessivo de álcool, eles podem ser um som (o lacre da latinha), um cheiro (cerveja derramada na mesa do bar), um lugar (aquele boteco na esquina), ou até mesmo uma emoção específica (solidão, euforia, frustração).
A neurociência explica: nosso cérebro funciona por associação. Quando repetimos um comportamento várias vezes, ele se torna um caminho bem pavimentado no nosso sistema nervoso. O som da latinha abrindo pode ser só um som para quem nunca bebeu. Para alguém, como eu, que teve o álcool como refúgio, é uma convocação.
O CÉREBRO, O ÁLCOOL E A MEMÓRIA EMOCIONAL
O álcool ativa o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina — o neurotransmissor do prazer. Mas a dopamina não trabalha sozinha. Ela registra contextos e cria atalhos mentais: “Aqui foi bom, volte sempre!” O problema é que esses atalhos podem nos prender.
Nosso cérebro é moldável, mas teimoso. Ele aprende rápido a buscar prazer e demora a desaprender. O tempo que passamos sem beber pode até diminuir o impacto dos gatilhos, mas alguns deles são tão impregnados na nossa memória emocional que basta um estalo para trazer tudo de volta, mesmo após anos de abstemia.
IDENTIFICANDO SEUS GATILHOS: UM MAPA PARA A SOBRIEDADE
Cada pessoa tem seus próprios gatilhos. O primeiro passo para recuperar o controle é identificá-los. Pergunte-se:
• Em que momentos o desejo por álcool surge mais forte?
• Quais sons, cheiros, pessoas ou lugares me fazem pensar em beber?
• Que emoções me levam ao desejo pelo álcool?
Manter um diário pode ser útil. Anote quando os gatilhos aparecerem, o que os despertou e como você se sentiu. Com o tempo, padrões emergem.
O QUE FAZER QUANDO UM GATILHO É ATIVADO?
1. Reconheça o gatilho: Em vez de lutar contra ele, observe-o. “Ah, aí está você, som da latinha, tentando me levar de volta.” Nomear o gatilho ajuda a reduzir seu impacto.
2. Respire antes de reagir: O desejo vem rápido, mas não dura para sempre. Respire fundo. Dê um tempo para seu cérebro lembrar que você tem escolha.
3. Desvie a rota: Se puder, saia do ambiente gatilho. Se não puder, mude sua resposta. Ao invés de pegar um copo de álcool, beba água gelada, mastigue um chiclete, dê uma caminhada.
4. Crie novas associações: O mesmo som que antes te levava à bebida pode ser ressignificado. Tente ouvir o tssshh de uma latinha de chá gelado e celebre sua escolha consciente.
5. Busque apoio: A luta contra os gatilhos não precisa ser solitária. Compartilhe sua experiência com amigos, grupos de apoio ou um terapeuta.
RESSIGNIFICAR EM VEZ DE FUGIR
Evitar gatilhos pode ser necessário no começo, mas a verdadeira transformação acontece quando conseguimos ressignificá-los. Isso exige tempo, paciência e estratégias práticas.
Pense no som da latinha abrindo. Se hoje ele representa o começo do descontrole, que tal transformá-lo no símbolo da sua vitória? Uma marca sonora do seu poder de escolha? Eu decidi manter esse som através de bebidas sem álcool, como refrigerante e água tônica zero.
A jornada para a sobriedade não é sobre evitar o mundo, mas sobre aprender a navegar por ele com autonomia.
O PODER ESTÁ EM SUAS MÃOS
Os gatilhos não têm poder próprio. Eles apenas acendem velhas fogueiras — mas é você quem decide se vai alimentá-las ou apagá-las.
Hoje, o som do lacre da latinha ainda te chama? Talvez sim. Mas amanhã, quem sabe, seja apenas um som no fundo da sua história. E você, de pé, seguindo em frente.