LIBERDADE SEM ÁLCOOL: a vida leve além da abstinência

FLUIR

Rafa Pessato

4/18/2025

“Eu posso beber? Posso, mas decidi não beber.”

Essa frase parece simples, até óbvia. Mas ela carrega um abismo entre dois mundos: o da abstinência sofrida e o da sobriedade escolhida. É aí que começa uma nova história — uma história de liberdade.

Por muito tempo, viver sem álcool foi sinônimo de castigo. Uma sentença. Uma vida sem graça, sem festa, sem aquele gole que ‘solta’, que ‘acalma’, que ‘anestesia’. Mas será que é isso mesmo? Será que a liberdade está no copo — ou na decisão de não precisar mais dele?

A verdade é que a gente só entende o que é liberdade quando sente o que é prisão. E se você já se viu contando os minutos para a próxima dose, prometendo que “amanhã eu paro”, ou se escondendo atrás de um “só socialmente”, talvez você conheça bem essa cela.

Mas existe uma chave. E ela está dentro de você.

QUANDO O PRAZER APRISIONA

Aristóteles dizia que liberdade é viver de acordo com a razão. Mas como ter razão quando o cérebro está sequestrado por um vício que sabe como te convencer com mil vozes diferentes?

Neurocientificamente falando, o álcool ativa circuitos de recompensa que liberam dopamina — o famoso neurotransmissor do prazer. O problema é que, com o tempo, o cérebro para de liberar dopamina pelas pequenas alegrias da vida: um abraço, um pôr do sol, uma comida gostosa. Tudo começa a girar em torno daquela substância. E eu senti bem esse peso do vazio.

É como se o mundo perdesse a cor e só o álcool trouxesse de volta alguma luz. Mas é uma luz falsa, fluorescente, que engana os olhos e cansa a alma.

Aqui entra o primeiro pilar do meu método, o CER – Ciclo Essencial de Realização: Reflexão Integral.

Olhar com honestidade para esse ciclo vicioso e se perguntar:

“O que eu busco quando bebo? E por que não encontro isso sem beber?”

A CONFUSÃO ENTRE LIBERDADE E PERMISSÃO

Muita gente diz: “Eu bebo porque quero. Sou livre.”

Mas será que a liberdade é fazer o que se quer, ou é ter o poder de escolher outra coisa?

Kant falava sobre a autonomia como capacidade de se autolegislar — ou seja, não agir por impulso ou por conveniência, mas por princípios que fazem sentido. Se a sua vontade está sendo ditada pelo vício, onde está a autonomia nisso?

Mas essa autonomia pode ser reconstruída.

Não é do dia pra noite, nem com frases de autoajuda. Mas é possível com a Reconexão Intencional — o segundo passo do método CER.

Reconectar com quem você é sem o álcool. Com seus valores, com seus desejos profundos, com a pessoa que ficou adormecida lá dentro, entre um porre e outro.

A GRANDE VIRADA: PRAZER COM SENTIDO

Viktor Frankl, psiquiatra que sobreviveu aos campos de concentração, dizia que o ser humano suporta qualquer dor, desde que tenha um porquê. Talvez a abstinência doa — no começo, especialmente. Mas e se ela vier acompanhada de um propósito?

É aqui que a vida começa a ganhar outro sabor.

Você começa a perceber que rir sem álcool é um riso mais limpo. Que dormir sem álcool é um sono mais inteiro. Que sentir sem anestesia é assustador, mas também é libertador. Porque você sente tudo — e isso inclui a tristeza e alegria genuínas, aquelas que não vêm da garrafa.

É aqui que entra o terceiro passo do método: Realização Efetiva.

Fazer da sua vida um projeto. Plantar novos hábitos, colher novos frutos. Não só parar de beber, mas começar a viver.

DA CARÊNCIA AO CONTENTAMENTO

Quem viveu dependente do álcool por muito tempo desenvolve um “vazio padrão”. É como um buraco existencial que a bebida parecia preencher. Só que, na verdade, ela só aumentava o buraco — disfarçava o tamanho da fome sem nunca alimentar de verdade.

É preciso reaprender a se nutrir.

E não estou falando só de comida. Mas de arte, de espiritualidade, de boas conversas, de natureza, de movimento, de propósito.

Tudo aquilo que foi deixado de lado no altar do álcool pode voltar a fazer parte do cardápio da sua vida.

Nietzsche dizia que precisamos de uma razão para dançar, mesmo diante do caos. O álcool parecia ser essa razão. Mas e se a dança for possível sem ele? E se a música da vida continuar tocando mesmo depois que você sair do bar?

AÇÕES PRÁTICAS PARA TRANSFORMAR PRIVAÇÃO EM LIBERDADE:

  1. Mude o foco da pergunta.

Ao invés de “por que não posso beber?”, pergunte: “o que posso viver agora que estou sóbrio?”

  1. Redescubra o prazer.

Faça uma lista com 10 coisas que você gostava de fazer antes do álcool dominar, pode ser quando criança. Comece a praticar uma por semana.

  1. Crie rituais saudáveis.

Se antes o copo à noite era um ritual, substitua por outro: um chá, um banho quente, uma leitura, uma caminhada. O cérebro adora rituais.

  1. Busque grupos ou pessoas que compartilham da mesma caminhada.

A liberdade se fortalece na troca. Sozinho é possível, mas juntos é mais leve.

  1. Pratique o autodiálogo.

Quando a vontade bater, converse consigo: “O que estou sentindo agora? O que estou tentando evitar? Há outra maneira de lidar com isso?”

  1. Lembre-se diariamente do seu “porquê”.

Escreva. Deixe visível. Que seja sua âncora nos dias turbulentos.

A VERDADEIRA LIBERDADE NÃO GRITA: ELA SUSSURRA

Liberdade não é fazer tudo que se tem vontade. Isso é impulso. Liberdade é ter vontade, olhar pra ela nos olhos e, mesmo assim, decidir com consciência.

E isso é grandioso.

Na vida sem álcool, a liberdade deixa de ser euforia e vira calma.

Pode ser que ela deixe a balada, e vire silêncio. E a gargalhada forçada, se transforme em um sorriso espontâneo.

Pois viver sem álcool não é abrir mão da vida. É escolher outra forma de vivê-la — mais coerente, mais honesta, mais livre.

Não se trata de se privar, mas de se libertar.

E essa liberdade não vem pronta. Ela é construída.

Com cada ‘não’ dito a um velho hábito.

Com cada ‘sim’ a um novo projeto.

Com cada passo no seu próprio ritmo.