ENTRE O VAZIO E A ESSÊNCIA: como o minimalismo fortalece a sobriedade

FLUIR

Rafa Pessato

3/14/2025

“Para encher um copo, primeiro é preciso esvaziá-lo”. (Lao Tsé)

A sobriedade, quando vista de fora, parece um corte brusco, um adeus definitivo ao que um dia foi refúgio. Mas quem já percorreu esse caminho sabe: não é uma ausência, mas uma substituição. Algo precisa entrar no lugar do que se foi. O copo que antes transbordava precisa ser esvaziado – não para ficar oco, mas para dar espaço ao essencial.

O filósofo grego Epicuro dizia que a felicidade não vem da abundância, mas da moderação. Ele não falava de renúncia pelo sofrimento, e sim da arte de encontrar prazer nas coisas simples. O neurocientista Andrew Huberman reforça esse pensamento ao mostrar como o cérebro se adapta aos estímulos: o prazer excessivo diminui a sensibilidade, tornando-nos reféns de doses cada vez maiores para sentir algo. O minimalismo e a sobriedade são, então, aliados naturais: ambos nos convidam a desacelerar, sentir de novo, encontrar beleza naquilo que já temos.

MAS COMO ESSA MUDANÇA ACONTECE NA PRÁTICA?

1. O excesso nos afoga, a simplicidade nos faz respirar

O álcool sempre promete alívio imediato. Uma fuga rápida do peso do mundo. Mas há um preço: quanto mais se busca essa leveza no excesso, mais se afunda nele. O filósofo Jean-Paul Sartre escreveu que “o homem está condenado a ser livre”, ou seja, somos obrigados a encarar nossas escolhas, a viver com o peso da consciência. O álcool muitas vezes vem para silenciar essa angústia, mas no fundo, só a multiplica.

O minimalismo ensina o oposto: quanto menos distrações, mais espaço temos para respirar. Quando nos livramos do desnecessário – seja na casa, na mente ou no coração –, descobrimos que o peso da vida não era daquilo que faltava, mas do que sobrava.

Se quer fortalecer sua sobriedade, experimente perguntar: o que, além do álcool, está pesando minha vida?

• Há relações que drenam sua energia?

• Há objetos que entulham seu espaço sem propósito?

• Há compromissos que preenchem seu tempo, mas não sua alma?

Reduzir excessos em todas as áreas cria um ambiente mais favorável para a sobriedade. Não se trata de um esforço de força bruta, mas de um respiro. Um alívio que vem de dentro.

2. A ilusão do “mais um” e o poder do “menos é mais”

O cérebro humano adora padrões. Ele aprende rápido que “mais um gole” traz um pico de prazer. Mas o problema é que esse pico sempre cai. É a armadilha da dopamina: o neurotransmissor do prazer, mas também da busca interminável por mais.

O neurocientista Robert Sapolsky explica que o prazer não está tanto no consumo, mas na antecipação. O cérebro se vicia na ideia de recompensa, não necessariamente na recompensa em si. O minimalismo ensina a questionar essa dinâmica: em vez de sempre precisar de mais, podemos encontrar contentamento no que já existe.

Dicas práticas:

• Ao sentir vontade de beber, pergunte-se: o que estou buscando de verdade?

• Antes de comprar algo novo, olhe ao redor e veja o que já tem. Precisa mesmo de mais?

• Reduza estímulos: menos redes sociais, menos telas, mais momentos de pausa.

A beleza da vida simples não é a ausência de prazer, mas o redescobrimento dele. Como quando sentimos o gosto de um café puro de verdade depois de um longo tempo sem açúcar. O sabor estava ali o tempo todo – só não conseguíamos percebê-lo.

3. Criando rituais: a nova recompensa da vida sóbria

A vida sem álcool não precisa ser um deserto seco. O que muda é a fonte do prazer. Nietzsche dizia que “quem tem um porquê, enfrenta qualquer como”. Ou seja, quando encontramos sentido, suportamos qualquer desafio. A sobriedade se fortalece quando criamos rituais que nos recompensam de maneira saudável.

Experimente substituir o brinde da sexta-feira por algo que alimente seu espírito:

• Um chá quente em uma xícara especial.

• Uma caminhada ao pôr do sol.

• Um diário onde escreve pequenas conquistas do dia.

• Música ao final da noite, para encerrar o dia com leveza.

Essas práticas simples ensinam ao cérebro que a vida sem excessos não é vazia – é plena.

4. O silêncio que revela, a clareza que fortalece

O filósofo Lao Tsé, no Tao Te Ching, diz que “para encher um copo, primeiro é preciso esvaziá-lo”. Quando o álcool sai da rotina, e os excessos são reduzidos, o silêncio aparece. E no começo, pode assustar. Mas é nesse silêncio que nos escutamos de verdade.

O neurocientista David Eagleman explica que o cérebro se reorganiza diante de mudanças significativas. No início da sobriedade, há uma fase complicada de desconforto físico e mental – mas com o tempo, os circuitos neurais se fortalecem, criando uma nova versão de prazer, mais autêntica e equilibrada.

Se sentir incômodo no vazio da nova rotina, não fuja dele. Olhe para dentro. Pergunte-se: o que esse silêncio quer me dizer?

5. A leveza da vida essencial: um novo jeito de viver

A sobriedade minimalista não é uma privação, mas uma libertação. É sair do ruído, do excesso, da anestesia. É aprender que felicidade não é acumular, mas sentir.

A mudança não precisa ser brusca. Comece pequeno:

  • Livre-se de um objeto que não faz mais sentido.

  • Diga não a um compromisso que te pesa.

  • Substitua um momento de ansiedade por uma pausa consciente.

Cada escolha mínima constrói um caminho mais leve. E nesse caminho, a sobriedade deixa de ser um esforço e se torna um estado natural.

O minimalismo e a sobriedade têm um pacto secreto: ambos nos convidam a viver de verdade. A perceber a textura das manhãs, o som do vento, o gosto da comida, a risada dos amigos. A estar inteiro.

E, no final das contas, não é isso que chamamos de felicidade?