Autoeficácia na Sobriedade: COMO RECUPERAR SUA FORÇA INTERIOR

Imagine um pássaro que, após tanto tempo preso em uma gaiola, desaprendeu a voar. Um dia, a porta se abre, mas ele hesita. Suas asas ainda servem? Ele pode confiar no próprio voo? Assim é a jornada de quem busca superar o alcoolismo: não basta abrir a porta da sobriedade—é preciso acreditar que se pode voar de novo.

A palavra-chave aqui é autoeficácia, um conceito que o psicólogo Albert Bandura definiu como a crença na própria capacidade de enfrentar desafios. No contexto da recuperação, isso significa confiar que você pode viver sem o álcool e construir uma vida plena. Mas como recuperar essa força interior quando tudo parece desmoronado?

A resposta está na prática diária de reconstrução da identidade, nas pequenas vitórias que moldam um novo caminho e no entendimento profundo do que significa ser um agente ativo da própria história.

O ABISMO ENTRE QUERER E CONSEGUIR

Muita gente quer parar de beber, mas sentir-se capaz de fazer isso é outra história. A diferença entre querer e conseguir não está só na força de vontade (que, sejamos honestos, muitas vezes falha), mas na maneira como interpretamos nossas experiências.

Nietzsche dizia que “aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como”. Mas e se o problema for acreditar que você não consegue? Se sua experiência acumulada de recaídas, frustrações e vergonha criou um ciclo vicioso de impotência?

O alcoolismo, muitas vezes, destrói a confiança em si mesmo. Cada tentativa frustrada reforça a ideia de que você é fraco, incapaz, um caso perdido. Isso não é verdade—mas parece. E o cérebro, engenhoso como é, sempre encontra maneiras de confirmar nossas crenças mais profundas.

A boa notícia? Assim como essa crença foi construída, ela pode ser desmontada.

COMO RECUPERAR A AUTOEFICÁCIA

Se você sente que não consegue viver sem o álcool, saiba que isso não é um veredicto final. É apenas um estado transitório da mente. A chave para virar esse jogo é reconquistar a sensação de competência. Como? Com ações pequenas, mas consistentes.

1. Busque desafios (que você possa vencer)

A autoeficácia cresce quando percebemos que somos capazes de realizar algo. Comece com metas possíveis. Se o objetivo final parece grande demais, divida-o em pedaços menores. Um dia sem beber, uma conversa sincera com alguém que confia, um novo hábito saudável.

William James, um dos pais da psicologia moderna, dizia que o hábito é a grande economista da vida mental. Pequenos atos repetidos criam novas conexões neurais. Você não precisa ter certeza absoluta de que conseguirá para começar—basta começar.

2. Reescreva sua história interna

O que você diz a si mesmo importa. Se sua narrativa interna diz: “Eu sempre falho”, “Eu sou um fraco”, “Nunca vou conseguir”, é hora de reescrevê-la.

A neurociência mostra que nosso cérebro é maleável. O conceito de neuroplasticidade explica que podemos modificar conexões neurais com novos pensamentos e comportamentos. A cada vez que você age de forma diferente, está ensinando seu cérebro uma nova história sobre quem você é.

Experimente trocar frases como:

❌ “Eu nunca consigo” → ✅ “Eu consigo”

❌ “Eu sou um fraco” → ✅ “Eu sou alguém que está se fortalecendo”

A repetição dessas novas narrativas tem poder. Não se trata de pensamento mágico, mas de realinhamento cognitivo.

3. Construa um ambiente que fortaleça sua nova identidade

Aristóteles dizia que “somos aquilo que repetidamente fazemos”. Se sua vida está cheia de estímulos que o puxam de volta para o álcool—amizades que incentivam a bebida, lugares que evocam o hábito, rotinas que o deixam vulnerável—você está jogando contra si mesmo.

Crie um ambiente que favoreça a sua nova identidade. Se precisar, afaste-se de certas pessoas por um tempo. Troque lugares associados ao álcool por novos espaços. Adote rituais diários que simbolizem sua mudança.

A transformação real acontece nos detalhes da vida cotidiana.

O EFEITO DOMINÓ DA AUTOEFICÁCIA

Uma vez que você começa a se ver como alguém capaz de mudar, esse sentimento se espalha. Pequenas conquistas levam a desafios maiores. Um dia sem beber pode levar a uma semana. Uma semana pode levar a um mês. Um mês pode ser o começo de uma vida inteira.

É um efeito dominó: quando um pedaço cai, ele impulsiona os outros.

Se hoje você ainda dúvida de sua capacidade, tudo bem. Duvide, mas continue. Caminhe mesmo sem certeza. Como disse Kierkegaard, “a fé é o salto no escuro”. Não se trata de religião, mas de confiar no processo antes que a certeza venha.

Você já é capaz. Só precisa lembrar disso.

Lembre-se do pássaro na gaiola. Ele passou tanto tempo preso que esqueceu como era voar. Mas as asas ainda estavam lá. Ele só precisava usá-las de novo.

A recuperação da autoeficácia é o mesmo processo. Você já tem tudo o que precisa dentro de si. Agora, é só começar a voar.

Se cair, levante. Se duvidar, siga mesmo assim. Porque cada passo que você dá na direção da sua nova vida é um voto a favor da pessoa que você quer ser.

E um dia, sem perceber, você estará voando de novo.