ALCOOLISMO E A ILUSÃO DA CURA RÁPIDA: Como Lidar Com a Ansiedade e o Desejo de Controle

FLUIR

Rafa Pessato

4/11/2025

Para quem luta contra o alcoolismo, a ansiedade por uma solução rápida é quase sempre um obstáculo. Muitos alcoolistas querem parar de beber de um dia para o outro, sem precisar lidar com o desconforto da abstinência, das emoções reprimidas e dos desafios da vida sem álcool. Eles buscam respostas prontas, métodos infalíveis, garantias de que nunca mais terão vontade de beber.

Antes também pensava assim. No entanto, a recuperação não funciona assim. Não há atalhos, receitas mágicas ou uma linha de chegada definitiva. A sobriedade é um processo, não um evento. Quem entra nessa jornada esperando uma solução instantânea pode acabar se frustrando e, muitas vezes, recaindo justamente por não aceitar a natureza gradual da transformação.

Neste artigo, vamos explorar a relação entre alcoolismo, ansiedade e desejo de controle, além de estratégias para ajudar quem busca uma “cura” rápida a entender que o verdadeiro caminho é outro.

A ANSIEDADE DO ALCOOLISTA E A BUSCA PELA SOLUÇÃO IMEDIATA

Muitos alcoolistas convivem com altos níveis de ansiedade. A bebida, muitas vezes, foi a forma encontrada para aliviar essa sensação de urgência, esse desconforto com o presente e essa necessidade de fugir de sentimentos difíceis.

Quando decidem parar de beber, essa ansiedade não desaparece — pelo contrário, pode aumentar. O álcool, que antes mascarava esse incômodo, não está mais ali. Surge, então, a necessidade de preencher esse vazio rapidamente, o que pode levar à busca obsessiva por soluções imediatas.

Algumas frases comuns entre alcoolistas que querem respostas rápidas são:

• “O que eu faço para nunca mais sentir vontade de beber?”

• “Quanto tempo vai levar para eu me sentir normal?”

• “Tem alguma coisa que eu possa tomar para acabar com essa fissura?”

• “Se eu fizer tudo certo, quando vou estar completamente curado?”

Essas perguntas revelam uma dificuldade em aceitar a incerteza e o tempo necessário para a recuperação. O alcoolista quer garantias, respostas exatas, uma linha do tempo previsível. Mas a verdade é que não existe um cronograma fixo para superar o alcoolismo. Cada pessoa tem seu próprio processo, e querer acelerar isso só gera mais frustração.

O DESEJO DE CONTROLE E A ILUSÃO DE COMANDO SOBRE A SOBRIEDADE

O paradoxo do alcoolismo é que muitos que sofrem com ele têm um forte desejo de controle — ao mesmo tempo em que vivem completamente dominados pelo álcool. Eles querem prever cada passo da recuperação, entender exatamente quando vão se sentir bem, evitar qualquer desconforto emocional no caminho.

Mas a sobriedade não se submete a esse controle rígido. Ela exige entrega, paciência e adaptação. Quem tenta dominar o processo com regras rígidas pode acabar criando um sofrimento desnecessário.

Alguns sinais de que o desejo de controle pode estar prejudicando a recuperação incluem:

• Obsessão por informações – Ler compulsivamente sobre alcoolismo, buscar métodos milagrosos, tentar descobrir segredos que facilitem a jornada.

• Comparação com outros – Acreditar que, porque outra pessoa levou seis meses para se estabilizar, esse deve ser o seu tempo também.

• Intolerância ao erro – Se punir excessivamente por pequenas falhas no processo.

• Fuga da incerteza – Querer respostas definitivas sobre algo que, por natureza, é imprevisível.

A realidade é que a recuperação não pode ser totalmente controlada. É preciso aprender a navegar as dificuldades conforme elas surgem, sem tentar mapear cada detalhe do caminho antes mesmo de começar a caminhar.

A FRUSTRAÇÃO E O RISCO DE RECAÍDA

Quem entra na recuperação esperando uma solução rápida inevitavelmente se frustra. Quando percebem que as fissuras não somem em poucos dias, que a ansiedade continua presente e que os desafios da vida real não desaparecem com a sobriedade, muitos acabam desistindo.

A recaída, nesses casos, não acontece porque a pessoa quer beber, mas porque ela não aceita o tempo do processo. O pensamento costuma ser algo como:

• “Se depois de todo esse esforço eu ainda sinto vontade, então não adianta.”

• “Achei que em um mês eu estaria bem, mas ainda estou lutando. Então devo estar fazendo algo errado.”

• “Se não consigo controlar minha vontade, talvez seja porque eu não tenho jeito mesmo.”

Esse tipo de pensamento sabotador nasce justamente da expectativa de um caminho sem dificuldades. Quando a pessoa percebe que a recuperação não segue a linha reta que imaginava, ela pode se sentir derrotada e voltar a beber como forma de escapar dessa frustração.

COMO ACEITAR O TEMPO DO PROCESSO E CONSTRUIR UMA RECUPERAÇÃO SÓLIDA?

Diante da ansiedade e do desejo de controle, o maior desafio do alcoolista é aceitar que a sobriedade não vem com garantias e que cada etapa precisa ser vivida no seu tempo. Algumas estratégias que podem ajudar incluem:

1. Substituir a Pressa Pela Persistência

Em vez de perguntar “quando vou estar 100%?”, o foco deve estar em seguir firme um dia de cada vez. A recuperação não acontece em um único momento; ela é construída diariamente, nas pequenas escolhas.

2. Aprender a Lidar Com a Fissura Sem Pânico

A fissura não significa que a pessoa está falhando. Ela é uma resposta natural do cérebro que precisa ser compreendida e enfrentada, não eliminada imediatamente.

3. Trabalhar a Tolerância à Incerteza

Aceitar que não há um caminho fixo e que cada um tem sua própria jornada. Algumas perguntas úteis para refletir sobre isso são:

• “Por que preciso de uma resposta exata para tudo?”

• “O que acontece comigo quando sinto que não tenho controle?”

• “O que posso fazer hoje, agora, para fortalecer minha recuperação?”

4. Trocar a Busca Pela Cura Pela Construção de Uma Nova Vida

A sobriedade não é um estado final onde tudo estará perfeito. Ela é um novo modo de viver, onde o álcool deixa de ser o centro e outras coisas passam a ocupar esse espaço.

A SOBRIEDADE COMO PROCESSO, NÃO COMO META FINAL

O alcoolismo ensina uma lição difícil, mas essencial: não há soluções rápidas para problemas profundos. Quem entra na recuperação esperando uma cura mágica se frustra e corre um alto risco de recaída.

A chave está em entender que a sobriedade não é um destino, mas uma construção diária. É preciso aceitar que haverá dias difíceis, momentos de dúvida e desafios inesperados. Mas, com paciência e persistência, cada dia sem álcool fortalece a base para uma vida mais plena e livre.

No fim, a pergunta mais importante não é “quando vou estar curado?”, mas sim “como posso aprender a viver bem, um dia de cada vez, sem precisar do álcool?”. Esse é o verdadeiro caminho da recuperação.