“AH, MAS É SÓ NÃO TER VONTADE!” – A verdade sobre a vontade no alcoolismo
FLUIR
Rafa Pessato
3/28/2025
Simples assim, né? Como se a vontade fosse uma torneira que a gente fecha quando quer. Como se o alcoolismo fosse só uma questão de querer ou não querer. Mas quem já viveu na pele sabe: não é.
O problema é que, para muita gente, o desejo de beber é visto como uma escolha, e não como o sintoma de uma doença. E isso leva a julgamentos que não ajudam em nada quem está tentando se manter sóbrio.
Hoje, vamos falar sobre a real influência da vontade no alcoolismo, como o cérebro de um alcoolista funciona e, claro, sobre a responsabilidade que cada um tem pela própria recuperação. Porque sim, você não tem culpa por ser alcoolista, mas tem responsabilidade pela sua sobriedade.
VONTADE E ALCOOLISMO: NÃO É TÃO SIMPLES ASSIM
A vontade de beber no alcoolismo não é igual a uma simples vontade de comer chocolate ou tomar café. Não é uma preferência ou um capricho. É algo muito mais profundo, que acontece dentro do cérebro, muitas vezes contra a nossa própria razão e desejo consciente.
Quem nunca quis parar e, ainda assim, se viu bebendo de novo? Quem nunca prometeu para si mesmo que aquele seria o último gole e, pouco tempo depois, estava repetindo o mesmo ciclo?
Isso acontece porque o alcoolismo não afeta apenas o comportamento da pessoa. Ele modifica o cérebro de forma intensa, alterando o sistema de recompensa, a tomada de decisão e o controle dos impulsos.
O CÉREBRO DE UM ALCOOLISTA
Existem três partes do cérebro fundamentais para entender por que simplesmente “não ter vontade” não funciona no alcoolismo:
1. Córtex pré-frontal
Essa parte do cérebro é responsável pelo autocontrole e pelas decisões racionais. No alcoolismo, ela fica prejudicada, tornando muito mais difícil resistir ao impulso de beber.


Essa região cuida das emoções e da memória. O cérebro aprende a associar a bebida a prazer, alívio emocional e até proteção contra a dor. Por isso, alguns gatilhos (como estresse, ansiedade, tristeza ou até felicidade) podem ativar a vontade de beber automaticamente.
2. Sistema límbico (amígdala e hipocampo)
3. Núcleo accumbens
Essa é a área do cérebro ligada ao prazer e à recompensa. No alcoolismo, o cérebro passa a precisar do álcool para liberar dopamina, aquele neurotransmissor do prazer. Com o tempo, beber se torna quase um mecanismo automático.
Ou seja, a vontade de beber no alcoolismo não é apenas psicológica, mas também fisiológica. O cérebro se adapta ao álcool e, quando tentamos parar, ele reage com um forte desejo de consumo.
“Mas também, que ele se responsabilize pela própria decisão”
Aqui chegamos a um ponto essencial: se a vontade não pode ser simplesmente desligada, como uma chave de luz, então o alcoolista não tem controle sobre sua recuperação?
TEM, SIM!
A vontade pode surgir, mas a ação de beber ou não é uma escolha. E, para que essa escolha seja possível, algumas estratégias são fundamentais.
A frase “é só não ter vontade” está errada porque desconsidera a complexidade do alcoolismo. Mas a frase “você precisa se responsabilizar pela sua recuperação” está corretíssima.
A responsabilidade não significa que é fácil, nem que é uma questão de força de vontade pura. Mas significa que ninguém pode parar por você.
ESTRATÉGIAS PARA MUDAR DE VIDA E SEGUIR FIRME
Se a vontade de beber não desaparece de um dia para o outro, como lidar com ela? Como seguir sóbrio sem depender da sorte ou de um dia bom?
Aqui estão algumas estratégias práticas que fazem toda a diferença na recuperação:
1. Reconheça que a vontade pode vir, mas você não precisa obedecer
O desejo de beber não precisa ser visto como um inimigo. Ele é um sintoma da doença e pode aparecer em momentos inesperados. A chave está em não se assustar e não ceder.
Quando a vontade bater, respire fundo e diga para si mesmo: “Eu não preciso seguir esse impulso. Eu sou maior do que isso.”
2. Identifique e evite os gatilhos
Os gatilhos são estímulos que fazem o cérebro lembrar da bebida e ativam a vontade de consumir álcool. Alguns exemplos comuns:
• Ambientes onde você costumava beber
• Amigos que ainda bebem
• Situações de estresse
• O som de uma latinha sendo aberta
Evitar os gatilhos no início da recuperação pode fazer uma diferença enorme. E, com o tempo, você aprende a enfrentá-los com mais controle.
3. Troque o prazer da bebida por outras fontes de satisfação
O álcool bagunça o sistema de recompensa do cérebro, então, quando paramos de beber, podemos sentir um vazio. É importante preencher esse espaço com novas fontes de prazer:
• Exercício físico
• Meditação
• Novos hobbies
• Conexões verdadeiras com outras pessoas
• Trabalho voluntário
4. Busque apoio
Tentar parar sozinho pode ser um caminho muito mais difícil. Grupos de apoio, terapia e até a troca de experiências com outras pessoas que passaram pelo mesmo processo podem fortalecer sua recuperação.
5. Não se culpe por sentir vontade, mas não use isso como desculpa para beber
Sentir vontade não significa fracasso. O problema não é a vontade surgir, mas sim o que você faz com ela. Se você cede, o ciclo se repete. Se você resiste, com o tempo, a vontade perde força.
A FRASE CERTA PARA A RECUPERAÇÃO
O alcoolismo não é uma questão de “é só não ter vontade”.
Mas também não é uma desculpa para jogar tudo para o alto.
A frase correta seria: “A vontade pode aparecer, mas eu sou responsável pelo que faço com ela.”
Porque, no final das contas, você tem o poder de mudar sua vida.
E a cada dia sóbrio, essa escolha se torna um pouco mais fácil.