A “ZONA DE CONFORTO”: por que insistimos em uma vida que já não nos serve?

DESPERTAR

Rafa Pessato

4/28/2025

Sabe aquela sensação de usar um sapato velho?

Ele já tá todo gasto, apertando o dedão, mas a gente continua usando porque “é confortável”. Não faz bem pros pés, e nem é bonito — mas, mesmo assim, a gente insiste.

Pois é, muita gente vive a relação com a bebida exatamente assim.

O álcool, que começou como curiosidade, depois pareceu solução pra relaxar, se soltar ou esquecer problemas, vira uma espécie de “zona segura” — mesmo quando já não traz segurança nenhuma.

É aquela cervejinha no fim do expediente, o vinho pra acompanhar o jantar, a caipirinha no churrasco. Tudo muito “normal”, até que a gente percebe que o normal tá pesando. Que o preço tá ficando caro. Que o corpo reclama, a cabeça cobra, e o coração — ah, o coração — sente aquele vazio sem nome depois.

E mesmo assim, por que é tão difícil mudar?

Por que a gente se prende a uma vida que já não serve mais?

A FALSA PROMESSA DO ALÍVIO IMEDIATO

O álcool é mestre em vender alívio rápido.

Tá triste? Bebe.

Tá feliz? Bebe.

Tá entediado? Bebe.

Tá ansioso? Bebe.

É uma solução “de prateleira” pra qualquer emoção desconfortável. Mas o problema é que esse alívio é de curtíssima duração. É tipo apagar um incêndio jogando gasolina: parece que resolve, mas no fundo só piora tudo.

E o cérebro aprende a associar a bebida a esse falso alívio. Cada vez que você toma aquele gole pra “esquecer um pouco”, seu cérebro registra: “Ah, isso aqui ajuda!”. E pede de novo na próxima vez.

Só que, como você bem sabe (e sente), o que era conforto vira desconforto. Uma cobrança silenciosa, uma dependência emocional.

A ZONA DE CONFORTO QUE VIRA PRISÃO

A tal da “zona de conforto” é, na real, só confortável porque é conhecida.

Não necessariamente porque é boa.

Mudar dá medo. Mesmo que a situação atual esteja ruim, pelo menos você sabe o que esperar dela. Sair disso é entrar no território desconhecido — e o cérebro, que adora economizar energia, faz de tudo pra evitar isso.

Então, a gente vai empurrando. Justificando.

“Ah, eu bebo socialmente.”

“Ah, mas todo mundo bebe.”

“Ah, eu não sou alcoólatra.”

Enquanto isso, a vida vai ficando cada vez mais apertada.

Menos disposição.

Mais irritação.

Menos sonhos.

Mais ressaca — física, emocional, existencial.

E, no fundo, você sabe. Sabe que não tá funcionando mais. Sabe que merece mais do que uma anestesia temporária.

O LUTO DA VIDA ANTIGA

É importante reconhecer: mudar a relação com o álcool é também viver um luto.

Você tá se despedindo de uma versão sua que acreditou, por muito tempo, que a bebida fazia parte da alegria, do relaxamento, da socialização.

E dá medo, sim. Dá tristeza, também.

Mas é nesse espaço, entre a despedida e o novo começo, que a mágica acontece. É aí que você começa a construir uma vida de verdade, não uma vida anestesiada.

Pequenas saídas do ciclo

Aqui vão algumas ideias práticas pra começar a sair dessa zona desconfortável:

  • Questione suas crenças: Será que a bebida é realmente necessária pra relaxar? Pra se divertir? Pra se conectar com os outros?

  • Observe seus gatilhos: Que momentos ou emoções mais te levam a querer beber? Tristeza? Estresse? Solidão? E o que mais poderia te acolher nesses momentos?

  • Experimente novas fontes de prazer: Troque o “beber pra relaxar” por um banho demorado, uma caminhada sem pressa, um encontro com amigos que não girem em torno do álcool.

  • Não se cobre perfeição: Se escorregar, não é sinal de fracasso. É só mais um aprendizado no processo.

  • Celebre cada passo: Cada noite sem bebida. Cada decisão consciente. Cada manhã acordando inteiro, sem ressaca nem culpa.

A LIBERDADE MORA FORA DA ZONA DE CONFORTO

O que parece desconfortável no começo — dizer não pra mais uma rodada, encarar um sábado à noite sóbrio, lidar de frente com as emoções — é justamente o que vai te trazer uma liberdade que você talvez nem lembre como é.

Liberdade pra estar presente.

Pra sentir de verdade.

Pra criar novas histórias, novas conexões, novos prazeres.

Você merece muito mais do que o conforto desconfortável que te segura no mesmo lugar. Você merece uma vida inteira, vibrante, de verdade. E ela começa com um passo. Depois outro. Depois outro.

Tudo no seu tempo. Mas com uma direção nova: pra frente.