A VERGONHA QUE CALA: Como Superar o Peso do “Fui Fraco”

SUPERAR

Rafa Pessato

5/14/2025

A busca pela sobriedade é um desafio pessoal e contínuo. Para quem enfrenta o alcoolismo, reconhecer a necessidade de mudança é apenas o começo de uma trajetória repleta de altos e baixos. Um dos maiores obstáculos no caminho da recuperação é a vergonha que cala, um sentimento intenso e silencioso, frequentemente acompanhado pela culpa e pela autocrítica.

O alcoolista, embora possa receber apoio, precisa compreender que, se não assumir o controle da própria vida, os esforços externos terão pouco efeito. A mudança verdadeira nasce da vontade pessoal e da responsabilidade por cada escolha.

Neste texto, vamos explorar como a vergonha pode ser transformada em um motor de transformação. Vamos abordar a diferença entre culpa e responsabilidade, entender como lidar com deslizes sem perpetuar a autossabotagem e discutir a importância de assumir o controle da própria história para conquistar uma vida mais equilibrada e livre do álcool.

CULPA E RESPONSABILIDADE: DESATANDO OS NÓS EMOCIONAIS

Um dos sentimentos mais recorrentes na jornada da sobriedade é a culpa. Após anos de comportamentos autodestrutivos, é natural que o alcoolista carregue consigo o peso dos erros cometidos. No entanto, é preciso distinguir culpa de responsabilidade para avançar com mais leveza e consciência.

A culpa é marcada por um julgamento interno, uma sensação de fracasso que corrói a autoestima e a capacidade de acreditar na mudança. Ela nasce da percepção de ter falhado com um padrão — seja ele imposto pela sociedade, pela família ou por si mesmo. A responsabilidade, por outro lado, tem um caráter mais prático e ativo: ela não se limita a julgar o erro, mas convida à reflexão e ao aprendizado.

O alcoolista, quando se prende à culpa, muitas vezes encontra justificativas para não avançar. A autocrítica excessiva pode paralisá-lo, fazendo com que aceite a condição atual como algo imutável. No entanto, assumir a responsabilidade pela própria vida não significa ignorar os erros, mas reconhecê-los e tomar atitudes para superá-los.

A responsabilidade liberta porque transforma a perspectiva: em vez de se ver como um eterno falho, o indivíduo passa a se enxergar como alguém disposto a corrigir rotas e buscar alternativas para um futuro melhor. Essa mudança de mentalidade é essencial para que o alcoolista perceba que a recuperação não depende apenas do apoio externo, mas, sobretudo, da sua postura frente às adversidades.

O DESLIZE NÃO É O FIM: RESIGNIFICANDO O ERRO

A caminhada para a sobriedade dificilmente é linear. Momentos de fragilidade emocional podem levar a recaídas, mas é crucial não as encarar como fracassos definitivos. Um deslize não anula todo o progresso feito até então; ele pode, inclusive, se tornar uma importante fonte de autoconhecimento.

Para transformar o deslize em aprendizado, é necessário refletir sobre as circunstâncias que o antecederam. Quais emoções estavam presentes? Houve algum gatilho específico? Que estratégias poderiam ter sido adotadas para evitar o consumo?

Essas reflexões ajudam a interromper o ciclo de autossabotagem e permitem que o alcoolista compreenda suas vulnerabilidades. No entanto, é preciso cautela para não cair na armadilha do autoengano: minimizar o impacto de uma recaída ou justificá-la como algo irrelevante pode abrir caminho para o retorno aos antigos hábitos.

Ao encarar o deslize com honestidade, é possível identificar pontos que precisam de reforço no plano de recuperação. A partir disso, o alcoolista assume uma postura mais madura e consciente, reconhecendo que a busca pela sobriedade exige vigilância constante e ajustes pontuais.

A ARMADILHA DA JUSTIFICATIVA: QUANDO O “SÓ UMA DOSE” DESTRÓI O PROGRESSO

Um dos maiores desafios na sobriedade é lidar com a autossugestão de controle. Muitos alcoolistas, após períodos significativos de abstinência, acreditam que já dominam o vício e podem beber moderadamente. Esse pensamento é perigoso, pois um único deslize pode reativar antigos padrões de dependência.

O autoengano é uma armadilha que mina a estabilidade emocional. A justificativa de que “apenas uma dose” não fará mal é uma forma de abrir brechas para o retorno ao comportamento compulsivo. Reconhecer que a sobriedade não permite concessões é essencial para evitar que um pequeno erro se transforme em uma grande recaída.

Para isso, é necessário fortalecer a convicção de que o controle só é real quando o álcool está fora da rotina. A escolha pela sobriedade precisa ser reafirmada diariamente, sem concessões ou justificativas que possam enfraquecer a determinação.

ASSUMINDO O REMO: O CONTROLE DA PRÓPRIA VIDA

O apoio familiar e profissional é fundamental, mas nenhum suporte externo substitui a decisão pessoal de mudar. O alcoolista precisa assumir o remo de sua própria vida, compreendendo que, se não fizer isso, o descontrole continuará a direcionar seu destino.

Essa tomada de consciência não significa negar o valor do suporte externo, mas reforçar a responsabilidade individual. A mudança verdadeira começa quando o alcoolista entende que ninguém pode viver o processo de recuperação por ele.

Assumir o remo significa tomar decisões conscientes, aceitar as consequências das escolhas e manter-se firme diante dos desafios. Essa postura fortalece a autonomia e cria um senso de protagonismo essencial para manter-se sóbrio a longo prazo.

CONSTRUINDO UMA REDE DE APOIO: HONESTIDADE E TRANSPARÊNCIA

A honestidade consigo mesmo é o primeiro passo para conquistar a sobriedade, mas ela também precisa se estender às relações interpessoais. Compartilhar medos, inseguranças e dificuldades com pessoas de confiança ajuda a reduzir o peso emocional da vergonha.

Participar de grupos de apoio ou contar com profissionais especializados pode criar um ambiente seguro para expressar vulnerabilidades. Essa troca de experiências fortalece a empatia e mostra que, embora o caminho seja difícil, ele pode ser trilhado com suporte e acolhimento.

NÃO É SIMPLES, MAS É POSSÍVEL

Superar o peso do “fui fraco” não é fácil, mas é possível quando o alcoolista decide assumir o controle da própria vida. A vergonha que cala pode ser transformada em aprendizado e força quando encarada com responsabilidade e determinação.

Diferenciar culpa de responsabilidade, encarar deslizes com maturidade e assumir o protagonismo são passos fundamentais para reconstruir uma vida equilibrada e saudável. A sobriedade não é um destino, mas um caminho contínuo que exige escolhas diárias e comprometimento genuíno.

Quanto mais o alcoolista se permitir crescer e se perdoar, mais leve será o fardo que um dia impediu seu avanço. A escolha por viver plenamente e de forma consciente é a maior vitória no processo de recuperação.