A MENTE QUER, O CORPO RESISTE: como lidar com o desejo físico pelo álcool

Entenda o que acontece no seu cérebro quando a vontade de beber aparece e descubra estratégias práticas para atravessar o craving sem ceder

SUPERAR

Rafa Pessato

5/23/20254 min read

Você já decidiu que vai parar de beber. Está firme no propósito. Mas, de repente, bate aquele impulso: o corpo pede, a boca saliva, o pensamento gira em torno de um copo. Parece que uma parte de você quer resistir e outra já está se entregando. Esse conflito interno tem nome: craving.

Craving é mais do que “vontade”, é a fissura. Um desejo intenso, urgente, muitas vezes acompanhado por reações físicas e emocionais difíceis de conter. Se você já passou por isso, sabe que não se trata apenas de força de vontade. É como se o corpo estivesse sendo “puxado” para beber, mesmo quando a mente já decidiu que não quer mais.

Mas por que isso acontece? E, mais importante: o que você pode fazer para atravessar esse momento sem se entregar à bebida?

Neste artigo, vamos explorar a base neurobiológica do craving — o que acontece no seu cérebro e no seu corpo quando esse desejo aparece — e apresentar estratégias práticas para lidar com ele na vida real, com leveza e consciência.

O QUE É O CRAVING, AFINAL?

Craving é o termo em inglês usado para descrever o desejo intenso por uma substância ou comportamento. No caso do álcool, esse desejo pode ser gatilhado por emoções, situações sociais, cheiros, músicas, locais ou até pensamentos. Às vezes, aparece do nada. Outras vezes, surge depois de um dia estressante, uma discussão ou uma celebração.

É importante entender que craving não é sinal de fraqueza. Ele é um fenômeno neurobiológico. Seu cérebro literalmente aprendeu a desejar o álcool — e agora está tentando convencê-lo de que precisa dele para funcionar, relaxar ou se sentir bem.

O CIRCUITO DO DESEJO: O QUE ACONTECE NO SEU CÉREBRO?

Tudo começa no sistema de recompensa do cérebro, uma rede de estruturas que inclui o núcleo accumbens, o hipocampo, a amígdala e o córtex pré-frontal. Esse sistema é ativado toda vez que fazemos algo prazeroso: comer, fazer sexo, receber um elogio — ou beber.

O álcool estimula a liberação de dopamina, o neurotransmissor do prazer e da motivação. Com o tempo, o cérebro aprende que o álcool é uma fonte confiável de prazer e começa a antecipar essa recompensa.

Quando você vê um copo de cerveja ou passa na frente do bar onde costumava beber, o cérebro reage como se dissesse: “Opa, aí vem prazer!”. Ele libera dopamina só pela expectativa da bebida. É aí que nasce o craving.

Mas não para por aí. Com o uso repetido de álcool, o cérebro se adapta: diminui a produção natural de dopamina e aumenta o número de receptores que pedem mais. Resultado? Você precisa beber mais para sentir o mesmo prazer. E quando tenta parar, o corpo reage com ansiedade, irritabilidade, insônia e desejo intenso.

O CRAVING NO CORPO: QUANDO O FÍSICO FALA MAIS ALTO

Não é só o cérebro que sente. O corpo também entra no jogo. Durante um episódio de craving, você pode sentir:

  • Tensão muscular

  • Boca seca ou salivação intensa

  • Agitação ou inquietação

  • Dificuldade de concentração

  • Aceleração dos batimentos cardíacos

  • Sensação de vazio ou “fissura”

Esses sintomas são reais. E muitas vezes assustadores. Mas a boa notícia é que craving passa. Ele tem começo, meio e fim. Nenhum episódio de craving dura para sempre. E, com prática, você pode aprender a atravessar esses momentos com mais clareza e presença.

ESTRATÉGIAS PRÁTICAS PARA LIDAR COM O CRAVING

  1. Nomeie o que está acontecendo

O primeiro passo é reconhecer: “Estou tendo um craving”. Dar nome ao que você sente ajuda a criar uma distância entre você e o impulso. Você não é o desejo — você está experimentando um desejo.

  1. Respire e espere

Craving geralmente dura entre 10 a 20 minutos. Se você conseguir não agir imediatamente, ele vai passar. Respire fundo, beba água, caminhe, mude de ambiente. O tempo é seu aliado.

  1. Use a técnica dos 3 Cs: Cuidado, Consciência e Contenção

    • Cuidado: reconheça que você está vulnerável e trate-se com gentileza.

    • Consciência: observe o desejo sem julgamento. O que ele quer? O que está por trás dele?

    • Contenção: encontre formas de se acolher sem ceder. Pode ser escrever, ligar para alguém, colocar uma música ou até mesmo chorar.

  2. Mude o canal mental

Pense em craving como uma estação de rádio. Você pode mudar de frequência. Desvie sua atenção para algo totalmente diferente: resolva um quebra-cabeça, cozinhe, organize uma gaveta, assista a um vídeo engraçado. O importante é quebrar o ciclo de obsessão.

  1. Crie um plano de ação para momentos de craving

Antecipe os gatilhos. Faça uma lista de alternativas para os momentos críticos. Tenha à mão telefones de apoio, frases que funcionam para você, objetos que remetem ao seu propósito. Ter um plano evita decisões impulsivas.

  1. Use o corpo a seu favor

Mexa-se. Dance, corra, alongue. O movimento ajuda a metabolizar o desejo. Às vezes, um banho gelado ou uma caminhada de 15 minutos são o suficiente para virar o jogo.

O QUE O CRAVING QUER TE CONTAR?

Muitas vezes, o desejo por álcool é apenas a ponta do iceberg. Ele pode estar encobrindo:

  • Uma emoção difícil que você não sabe como lidar

  • Um vazio existencial ou tédio

  • Um desejo legítimo por conexão, prazer ou descanso

Parar de beber é também aprender a escutar o que está por baixo do craving. O que o seu corpo está te dizendo? Do que você realmente precisa agora?

Essa escuta é um caminho de autoconhecimento. E quanto mais você se conhece, mais livre você se torna.

CULTIVANDO A SOBRIEDADE COMO LIBERDADE

Viver sem álcool não é viver sem prazer. É redescobrir novas fontes de prazer — mais autênticas, sustentáveis e alinhadas com quem você é.

A cada craving superado, você fortalece uma nova via neural. A neuroplasticidade — capacidade do cérebro de mudar — está do seu lado. Com o tempo, os desejos se tornam mais leves, menos frequentes e mais fáceis de atravessar.

Lembre-se: o craving é uma onda, não um tsunami. Ele vem, cresce e recua. E você não está sozinho. Milhares de pessoas enfrentam o mesmo desafio. E estão construindo vidas plenas, conscientes e criativas, sem álcool.

Pois sobriedade é mais do que ausência de álcool. É presença de si. E esse encontro vale cada passo.